
Colaboração com o Jornal Pontívirgula
Por: Francisco Teixeira
Celebrou-se, no passado dia 10 de outubro, o Dia Mundial da Saúde Mental. Três especialistas de diferentes áreas falam sobre a importância deste tema em Portugal, que perspetivas têm para o futuro e como devemos acabar com o estigma e discriminação ainda muito presente nas esferas da sociedade. Para isso, foram colocadas as seguintes questões:
1. Segundo o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, 1 em cada 5 portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica, levando Portugal a ocupar o segundo lugar entre os países europeus neste tipo de perturbações. O que pode explicar estes números no nosso país?
2. Que estratégias devem ser introduzidas para que a saúde mental seja um assunto levado mais a sério na sociedade portuguesa?
3. O aumento dos gastos em medicação, o acesso limitado a profissionais no Serviço Nacional de Saúde e a existência de seguros sem cobertura para a psicologia, demonstram fragilidades no Plano Nacional para a Saúde Mental. O que poderá ser alterado para que este plano tenha as repercussões desejadas?
4. A escassez de profissionais nas áreas de maior necessidade, a falta de atendimento continuo e a ausência de divulgação e da sua gratuitidade são fatores que limitam o atendimento. O que pode revelar-se um entrave para pessoas com menos recursos, jovens estudantes ou recém-licenciados em início de carreira. De que forma se pode chegar mais facilmente a estas pessoas?
5. Muitas das perturbações mentais surgem no período da adolescência. Um dos caminhos para prevenir doenças mentais futuras pode passar pela prevenção e psicoeducação desde a infância?
6. Em Portugal, sofrer de uma doença mental ainda está associado a um estigma e discriminação por parte da sociedade. Que mecanismos podem ser utilizados por forma a contornar este preconceito e levar as pessoas a pedir ajuda?
7. No passado dia 10 de outubro celebrou-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Com os seus defeitos e vicissitudes, podemos dizer que estamos no caminho certo para o combate e prevenção de doenças mentais?
Paulo Horta – Psiquiatra
1. As perturbações psiquiátricas abrangem um leque enorme de identidades, desde algumas menos graves a outras que são de extrema importância e cursam com uma evolução crónica, com reagudizações, a obrigarem algumas vezes a internamentos psiquiátricos e a interferirem de forma muito significativa com a qualidade e esperança de vida. Destas, as mais marcantes são a Esquizofrenia, a Doença Bipolar, as Perturbações Delirantes, as Demências e as Perturbações da Personalidade, de entre outras, e nestas os valores de incidência são similares nos diversos países. As outras, nomeadamente alguns tipos de depressão e as perturbações de ansiedade, igualmente importantes, estão muito condicionadas pelas condições de vida, pelas expectativas e pela dificuldade em lhes dar resposta favorável, pelas condições sociais, pobreza, solidão, isolamento social, e estes componentes têm grande relevância em Portugal, havendo uma grande percentagem da população a viver abaixo do limiar da pobreza, estando a população muito envelhecida, sendo o país cada vez com mais contrastes, nomeadamente ao nível de oportunidades, a nível de desenvolvimento com um interior cada vez mais desertificado.
2. Existe reconhecidamente uma maior sensibilidade dos poderes, nomeadamente do poder legislativo, para aspetos da saúde mais fraturantes, nomeadamente relacionados com as minorias étnicas, culturais e do género. Porém a saúde mental continua a ser a área da saúde, toda ela suborçamentada, a receber claramente menos do que o que lhe caberia, tendo em conta as necessidades diagnosticadas e também comparativamente ao que acontece na maioria dos países. Por outro lado a saúde mental tem que ser cada vez menos centrada nos departamentos de psiquiatria e saúde mental dos hospitais, tendo que se alargar aos centros de saúde, às escolas, aos locais de trabalho e à comunidade, criando equipas multidisciplinares com um maior aproveitamento de outos técnicos, nomeadamente psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, de reabilitação, terapeutas da fala, técnicos de serviço social, animadores culturais, todos eles podendo e devendo ter um papel relevante.
3. O aumento dos gastos em medicamentos é transversal a todas as áreas da saúde e tem a ver com o aparecimento de novas moléculas mais caras mas, pelo menos algumas vezes, uma mais valia nos tratamentos. Porém a prescrição farmacológica não pode substituir a relação médico doente; têm que ser evitadas as prescrições excessivas, não cumpridas muitas vezes, e que têm riscos de mais efeitos secundários às vezes muito graves, não podendo serem esquecidas as ingestões medicamentosas em regra associadas a ideias de morte, mais frequentes nas mulheres, mas também nos idosos, especialmente os que vivem sozinhos. Não esquecendo que as outra terapias, nomeadamente a psicoterapia, também não são isentas de efeitos secundários, há que fazer um adequado aproveitamento dos psicólogos e dos restantes técnicos referidos atrás, nos espaços também referidos no número anterior.
4. Não havendo exatamente escassez de pessoas que concluíram os seus cursos universitários, estes estão sim subaproveitados, havendo muitos à procura de um primeiro emprego ou de um estágio, estando alguns a fazerem mestrados e doutoramentos também às vezes sem qualquer expetativa de virem a ser devidamente aproveitados. Temos dos melhores SNS do mundo e os índices de saúde mais importantes há vários anos que o comprovam; a psiquiatria e a saúde mental são claramente o parente pobre do SNS; o Plano Nacional de Saúde Mental tem sido permanentemente adiado.
5. A prevenção passa sobretudo pelo trabalho na comunidade, nas coletividades, nas igrejas, no mundo laboral, nas escolas e nas famílias; têm assim de ser envolvidos todos, com a menor intervenção possível dos técnicos de saúde metal, em sentido estrito, sem estigmatizar, sendo intervenientes todos os agentes envolvidos em cada um desses sistemas, envolvendo também os técnicos de saúde que devem estar integrados neles, saúde familiar, saúde escolar, “medicina” do trabalho. Assim haverá espaço para atempadamente intervir em aspetos como alterações do desenvolvimento psicomotor e da aprendizagem, a depressão, ideação suicida, comportamentos de risco, comportamentos de automutilação,”bulling” e outros.
6. O estigma continua a ser um dado relevante em muitas áreas e especialmente no que respeita à doença mental. Sendo um problema cultural e educacional, envolve toda a sociedade. Mas o estigma não diz só respeito aos outros, diz respeito também aos vários profissionais, aos técnicos de saúde, também aos técnicos de saúde mental, aos familiares e aos próprios doentes. É necessário continuar, aprofundar o trabalho que se vem realizando, nos vários sistemas sociais, na comunicação social, no mundo das artes e nos órgãos de soberania, dando também cada vez mais voz as associações de doentes, familiares e técnicos.
7. Os Dias Mundiais, o Dia Mundial da Saúde Mental, permitem dar voz aos que têm mais dificuldades em ser ouvidos. A OMS este ano chamou a atenção especialmente para a possibilidade de se criarem condições para todos apesar de cada vez ser maior o fosso entre os mais e os menos ricos, num mundo global cada vez mais desigual; Portugal acompanha este agravamento das desigualdades que tem de ser combatido e em que as comemorações do Dia Mundial da Saúde Mental, em vários dias e em vários espaços, são uma pensa simbólica mas fundamental, sobretudo se baseadas em projetos que não se esvaem na hora em que acabam as comemorações.

Ana Quesado – Enfermeira especialista em Saúde Mental e professora Adjunta na ESSNorteCVP
1. Penso que não existe uma resposta decisiva a esta questão visto existirem em Portugal parcos estudos epidemiológicos na área da saúde mental e psiquiatria. Neste sentido, podemos apenas especular sobre algumas possíveis causas. O que é certo é que a generalidade das perturbações mentais, são situações complexas, multifatoriais, que ocorrer devido à combinação de diversos fatores, nomeadamente biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais.
2. Acredito que a melhor estratégia a utilizar, para que a sociedade portuguesa (ou qualquer outra), reconheça a saúde mental como uma área fundamental da saúde e vida de cada cidadão, assim como, da própria sociedade é investir numa maior sensibilização e consciencialização para a área, aumentando a Literacia em Saúde Mental da nossa sociedade.
3. Em primeiro lugar, aumentar o investimento nas políticas de saúde mental, gestão e na restruturação da área da saúde mental, respondendo ao Plano Nacional de Saúde Mental. Aumentar a literacia em saúde mental de todos os profissionais de saúde, assim como a formação especializada e número de profissionais de saúde especializados na área; aumentar as respostas em saúde mental, principalmente a nível comunitário; implementar estratégias de promoção e prevenção na área da Saúde mental; investir mais nas intervenções psicoterapêuticas; e aumentar a investigação na área.
4. Com aumento do número de profissionais especializados em Saúde Mental; integração de enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiatria nas equipas de Saúde Escolar ou nas próprias escolas ou universidades; projetos de intervenção neste âmbito; maior inter-relação das Áreas da Saúde, Educação e Social, no sentido de serem agilizadas as respostas a essas necessidades.
5. Uma das intervenções passa principalmente pela Literacia em Saúde Mental dos pais, educadores e das próprias crianças e adolescentes, com intervenções a esse nível o mais precocemente possível e de forma sistemática, assim como, promovendo ambientes saudáveis para o desenvolvimento Psico-Cognitivo das nossas crianças e adolescentes.
6. Amentar as respostas comunitárias em saúde mental, de forma a facilitar o acesso das pessoas. Uma grande intervenção a nível social de luta contra o estigma e discriminação, no sentido de reduzir o estigma social e o auto-estigma associado às perturbações mentais e aos próprios serviços de saúde mental.
7. Temos um bom Plano de Saúde Mental, existem cada vez mais movimentos nacionais no sentido de melhorar as atuais respostas na área. A própria pandemia veio aumentar a visibilidade para os problemas associados à Saúde Mental, aumentando o reconhecimento da necessidade de se investir mais na área e de a valorizar.

Márcia Abreu – Psicóloga
1. A falta de cultura de valorização e cuidado com a saúde mental leva a que priorizemos questões externas como a sobrevivência, o trabalho, a competitividade. Como tal, não estamos habituados a tratar e dar conta do mal-estar emocional. Continuamos a tratar este mal-estar como uma fraqueza, estigma social ou como algo que vai passar por si mesmo. A procura de ajuda acontece quando já existe perturbação com muito sofrimento e comprometimento da vida diária associados.
2. A saúde mental terá de começar a ser tratada, a ser tida em conta desde a primeira infância, desde uma idade muito precoce do desenvolvimento, só assim se tornará parte integrante do crescimento e da vida diária. A saúde mental ou a necessidade da sua existência deveria ser transversal a todo o processo de vida, desde a gravidez até á senescência.
3. falta de profissionais habilitados no SNS tem vindo a condicionar a forma como se lida com a saúde mental. Esta só é objeto de atenção a partir do momento em que produz doença. O pedido de ajuda acontece quando já existe um quadro ou perturbação instalados. Deveríamos ter mais profissionais de saúde mental nos cuidados de saúde primários de forma a prevenir que a doença se instale e que, também, muitas vezes por falta de meios, a única forma ou a mais fácil de intervir seja a prescrição farmacológica. Os últimos anos têm sido, apesar de tudo, de viragem. Tenho percebido uma preocupação maior na contratação e formação de profissionais, bem como um alargamento da comparticipação pela parte das seguradoras na área da avaliação e intervenção psicológica. O caminho ainda é longo.
4. Os serviços públicos vão tendo já serviços dirigidos a estas necessidades, nomeadamente as faculdades, as escolas e os centros de saúde, no entanto a procura excede largamente a resposta e muitas destas pessoas ficam de fora sem a possibilidade de terem acesso a ajuda.
5. Isso seria fundamental e talvez a resposta a termos menos futuros adultos doentes do ponto de vista mental. A intervenção precoce, desde a gravidez e nos primeiros 5 anos de vida seriam fundamentais.
6. Quanto mais o tema for transversal a toda a sociedade e a todo o crescimento como algo necessário e normal. Quando a depressão for encarada como uma doença a tratar tal como é a diabetes ou o cancro, encarada com o mesmo risco inerente a qualquer doença, estaremos no bem caminho. Quanto mais trouxermos o tema ás nossas conversas, à nossa rede social com normalidade e aceitação, mais fácil se tornará.
7. O trabalho fazer é ainda muito, mas toda a sociedade se tem mobilizado para o tema e parece-me que isso tem vindo a ter ressonância nos poderes instituídos. Parece-me que o início da mudança é visível e penso que o futuro será mais risonho.
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Capa Jornal Pontívirgula – edição Outubro 2021
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