
Nota editorial: O presente artigo foi publicado originalmente na obra “100 Dias que Abalaram o Regime“, publicada em 2012 no âmbito das comemorações do 50º aniversário do dia 24 de março de 1962, que está na génese do Dia Nacional do Estudante. O artigo, da autoria de João Marecos, presidente da AAUL na altura, é partilhado no nosso site com a autorização do autor.
Dia 24 de Março de 1962. Apesar de proibidos pelo Ministério da Educação Nacional, os estudantes juntam-se numa marcha pacífica de celebração do Dia do Estudante, que partiu da Cidade Universitária em direcção a um restaurante onde o reitor da Universidade de Lisboa prometera um jantar.
No Campo Grande, a meio caminho, a força policial de choque carrega contra o corpo estudantil, numa demonstração de prepotência e autoritarismo, pedras‑de‑toque do regime que então vigorava.
Investiu-se contra alguns estudantes, procurando, no fundo, desmobilizar todos. Pretendia-se esvaziar um movimento que indiciava já comungar dos valores que mais tarde trouxeram a Liberdade.

O regime percebeu, e bem, que a união dos estudantes em torno de uma mesma causa representava a criação de uma estrutura inconscientemente poderosa, impiedosamente resoluta e corajosamente rebelde. Ao tentar derrubar os estudantes, o governo consciencializou-os do seu poder e desencadeou uma crise académica que desembocou em meses de confrontos, manifestações e ocupações.
De 1962 aos dias de hoje
Cinquenta anos volvidos [o texto foi escrito, originalmente, em 2012], celebra-se a coragem dos que lutaram, numa época em que o conformismo dava emprego. Dos que gritaram, quando era o silêncio a garantir o conforto.
Celebra-se também o dia em que os estudantes ganharam consciência de que, unidos, eram temidos por um regime que impunha o medo.
Eram de outra monta os problemas que então se punham. Não estarei certamente a ser sério se pretender compará-los com os que actualmente enfrentamos. Não por não serem graves, os actuais. Mas, à data, lutava-se pelo direito a lutar. E venceu-se. Vivemos hoje numa sociedade livre, democrática e que possibilita a livre expressão. As nossas guerras são, assim, outras.

Lutemos pois por regimes mais justos de atribuições de bolsa. Melhores e mais transparentes métodos de avaliação. Lutemos por condições logísticas compatíveis com a função inestimável da Universidade.
Temos, colegas estudantes, essa obrigação, a de honrar um historial de inconformismo sustentado na firmeza olímpica com que os estudantes de 62 defenderam os seus direitos.
Então diziam deles serem arruaceiros, anarquistas, extremistas, criminosos. Prenderam alguns, espancaram outros. Cinquenta anos depois, prestamos-lhes homenagem.
Não só a esses, mas a todos os que, imbuídos desse espírito de estudante, lhes seguiram os passos. Se hoje tenho a honra de participar com esta singela contribuição nas Comemorações do Dia Nacional do Estudante, a eles lha devo, que ao quebrarem o silêncio dos que menos mandam deram voz aos que mais podem, aos que mais querem, aos que mais interessam num âmbito de aprendizagem.
Uma mensagem para o futuro
Assim sendo, restam-nos duas hipóteses:
1) Passarmos pela Universidade incógnitos, alheios à massa que nos rodeia, singularizando em cada um de nós os problemas que são de todos, rumando despreocupadamente ao diploma, considerando a jornada académica um mero meio na prossecução desse fim;
2) Fazer da viagem o objectivo, que redundará sempre em mais do que um grau académico. Como dizia o poeta, «quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu».
O estudante que hoje se honra é aquele que se revê no espírito de 62, que não abdicou de ideais para evitar a prisão, que gritou “autonomia!” em troca de violência.
Não nos é hoje pedido tanto, porque ontem houve estudantes.
Cabe-nos agora a nós, estudantes de hoje, agradecer o exemplo, o sacrifício e as oportunidades que nos abriram os estudantes de ontem. Que este reconhecimento represente o nosso abraço aos vossos ideais estudantis, que as vossas vitórias sustentem muitas mais que alcançaremos.
Agora é a nossa vez. Honremos o estudante!
Se gostaste deste texto, recomendamos que leias também a opinião da Madalena Caldeira Batanete, que fala dos estudantes universitários e a política!