
Se, há dois anos, durante uma tarde de esplanada a emborcar finos com os teus amigos, um deles te dissesse que a vida académica estaria a soro dali a poucos meses, não acreditarias. Aliás, provavelmente rias-te e ainda lhe pagavas um copo por compaixão. Mas, eis a realidade: a vida académica está, neste momento, encostada às boxes!
Não é por acaso que alguns estudantes pensam, ou pensaram durante o confinamento, em desistir dos estudos. Doze anos a estudar, em alguns casos mais, para chegar à universidade e não poder usufruir da sua plenitude. Afinal, a faculdade não é só estudar: também é a vida social, jantares de turma, tunas e praxes, convívios e novas amizades.
Uma vida social encostada às boxes?
Das recordações dos tempos da faculdade raramente ficam páginas folheadas ou equações resolvidas. Por outro lado, desses tempos áureos, recordamos os amigos que fizemos, as noites ao relento, as conversas mais estapafúrdias, as praxes míticas, os segredos mais recônditos da cidade, as melhores esplanadas, os melhores bares. E, se nos conseguirmos lembrar, as melhores bebedeiras!

Tudo isto contribui para a importância da vida académica. Mas, devido à situação pandémica, os estudantes sofrem, sem nada poderem fazer, um vazio tão profundo que não tem volta que se lhe dê.
Se alguém acha, sequer, que isto não é um problema e que a vida académica tem pouca importância para lá dos estudos, que fale com os estudantes! Que pergunte a cada um desses universitários pelo país fora que foi caloiro neste último ano e meio se se sentem realizados! Fale com os estudantes que viram os cortejos e as festas académicas serem canceladas! Avalie o impacto que esta situação teve nos finalistas que não puderam festejar a sua maior conquista com os seus amigos!
A importância da vida académica
Talvez os mais conservadores recusem a importância da vida social no desenvolvimento académico. A meu ver, não estariam mais enganados! E, prova disso, é o estudo realizado pela Associação Académica de Coimbra, publicado pela Sic Notícias, que afirma que 98% dos alunos inquiridos sentiram fragilidade emocional durante o confinamento. Um dos motivos foi a falta de relações interpessoais. Além disso, cerca de 70% pensou em desistir do estudos!

A vida académica está ligada à vida social. E, estudar sem conviver, é um caminho mal alcatroado que contribui para a frustração dos estudantes, para a ansiedade, tristeza e depressão.
Elena Ferrante, em Amiga Genial, escreveu: “se não há amor, não só a vida das pessoas se torna árida, mas também a das cidades.” Transformando a frase à nossa realidade de estudantes universitários: “se não há vida académica, não só a vida dos estudantes se torna árida, mas também a da sociedade”.
O ensino à distância é um andarilho da vida académica?
A vida académica não é feita apenas de convívio! Aliás, os estudos são o principal motivo que levam os estudantes a ir para determinada cidade e/ou faculdade. Portanto, a pergunta que se coloca é a seguinte: a vida académica tem pernas para andar com o ensino à distância?
Tem pernas para se manter, apoiadas por um andarilho, quiçá até ao final deste ano letivo. Mais do que isso? Será um martírio!
Não podemos ignorar a importância da evolução tecnológica como solução para continuar com as aulas. Afinal, sem o ensino à distância, a educação estaria comprometida. Por outro lado, as aulas online não podem ser vistas como uma solução eficaz para a situação que estamos a viver, uma vez que a sua continuidade pressupõe menos interações sociais, mais stress e mais problemas emocionais.
Além disso, o ensino presencial é mais eficaz em todos os sentidos. Não apenas pela componente prática e pela melhor comunicação entre todos, mas também pela possibilidade de criar relações interpessoais.
Sem essas relações interpessoais estaremos a formar uma sociedade criada na penumbra, fechada entre quatro paredes, com um ecrã luminoso à frente e sem amplitude criativa e, principalmente, social!
A vida académica retomará o seu caminho?
É a grande questão, o grande desafio para os próximos tempos! Primeiro, é importante que as aulas voltem ao formato normal. Para isso, estamos dependentes da evolução da pandemia que, por sua vez, é influenciada pelos nossos comportamentos cívicos.
No entanto, nunca existirão palavras que expliquem a angústia dos estudantes que viveram o seu percurso académico atrás de um ecrã, sem possibilidade de conviver, de verdade, com os outros, de levantar o dedo para participar na aula, de se misturar na sociedade e nela criar as suas camadas.
O ser humano é feito de interação, e o computador, como meio de comunicação, é insuficiente para as nossas necessidades comunicativas e interpessoais.
Por isso mesmo, é essencial que a vida académica, tão importante para o nosso desenvolvimento social enquanto jovens adultos, retome. Com precauções e cautelas mas sem medos exagerados nem hesitações infundadas.